Sobre as vadias...
Com a palavra, a pesquisadora Carla de Castro Gomes, doutoranda da UFRJ.
Por Roberta Nogueira
Ø O Teto:
Sobre o termo “vadia” e o seu uso pelo Movimento.
Ø Carla de
Castro Gomes (UFRJ): É um uso que tenta justamente evidenciar o caráter
normativo que existe na palavra “vadia.” Então quando se apropriam desse termo,
os movimentos feministas tentam mostrar essa dupla moral que existe e regula o
comportamento de homens e mulheres: a ideia de que as mulheres não devem ter
vários parceiros, não devem usar determinadas roupas, não devem expor muito os
seus corpos e sua sexualidade, enquanto que para os homens isso não seria
problema. “Vadia” é um termo acusatório usado para mulheres que quebram essas
expectativas muito tradicionais, de gênero, mas quando falado, empunhado pelas
feministas é uma forma de tentar questionar essa dupla moral, questionar essas
regras de gênero que limitam, controlam a sexualidade das mulheres.
Ø O Teto:
Sobre a importância política e social da Marcha das Vadias.
Ø Carla: Eu
considero a Marcha das Vadias, junto com outras pessoas que também estudaram o
assunto, uma das expressões recentes mais importantes do feminismo não só no
Brasil, mas no mundo. Como eu disse, ela aconteceu em mais duzentas cidades
pelo mundo, levou milhares de pessoas para as ruas; e no Brasil, esse sucesso
de público foi estrondoso, ocorreu em muitas cidades, teve muita visibilidade
midiática. Muitas mulheres jovens, que não tinham antes participado de nenhum
movimento social ou de nenhum movimento feminista, começaram a se engajar
politicamente a partir da Marcha das Vadias. E mesmo quando essa marcha deixou
de existir em muitas cidades, essas redes de mulheres, que se formaram ao redor
da Marcha, continuaram existindo. E continuam bastante atuantes em outros coletivos
ou na universidade. E isso foi algo que marcou muito as biografias individuais
e coletivas de muitas mulheres_ e de outros sujeitos também.
Ø O Teto:
Diferentes vertentes feministas se sentem representadas pela Marcha das Vadias?
Como isso se dá exatamente?
Ø Carla: A
Marcha das Vadias teve uma capacidade muito grande de atrair pessoas,
especialmente mulheres jovens, que nunca tinham participado de protestos
feministas, mas ela também trouxe muita polêmica, controvérsia, disputa entre
feministas. Muitas não se sentiam contempladas pelo uso da palavra “vadia”, pelo
uso da nudez e da exposição do corpo, por essa coreografia de protesto que
enfatiza a sexualidade, o deboche, a paródia. Foram muitas as críticas em todo
o mundo, de mulheres negras que não se sentem contempladas pelo termo, que
acreditam que essa não é a melhor forma de abordar a sexualidade das mulheres
negras, com esse tipo de coreografia e de vocabulário político. Houve também muitas críticas de feministas mais velhas, que valorizam outros
repertórios de protesto e não viram “com muitos bons olhos” essas coreografias,
o uso do nome, da nudez, achando que isso acabaria estigmatizando o movimento
feminista.
Então essas tensões estão presentes o tempo
inteiro na Marcha das Vadias, em todos os lugares onde ela aconteceu. Vejo que a
Marcha das Vadias acabou sendo um espaço também para discutir essas tensões: raciais,
de classe, sexualidade. A Marcha acabou pela via do conflito também sendo um
espaço de discussão dessas questões que são tão importantes para o Feminismo.
Fotos: Stephano Nogueira
Apoio: Joana D'Arc Ribeiro