sábado, 5 de janeiro de 2013

AS FÉRIAS E A LAGARTIXA




                                                                          Por Dorothy Coutinho


A mulher sonhava em fazer um cruzeiro num transatlântico de luxo, com direito as noites de luar no Caribe, drinques coloridos à beira da piscina, lugares exóticos com nomes românticos: Galápagos, Barbados, etc.
- Praia! – gritou a filha.
- Serra! – gritou o filho.
- Quintal! Sugeriu o pai, pensando na “grana preta” que ia gastar. 
Praia e serra, uma semana em cada uma, esse foi o acordo. O cruzeiro no Caribe ficou aguardando a improvável circunstância do pai morrer e a mãe se casar com um ricaço. Tinham ouvido falar de um hotel novo numa praia ainda não desenvolvida, com preços promocionais, numa distância razoável, calculada as probabilidades de irem e voltarem no carro ano 90 da família, sem nenhum problema mecânico no meio do caminho. 
Para a praia, portanto. Uma semana!
Tudo no carro: pomada contra queimadura, repelente, quinino, tabletes de sal, ataduras, antibióticos, lança-chamas contra um possível ataque de formigas gigantes, e o computador portátil para manterem contato com a civilização. Mas estava faltando algo importante para o papai: os cinco livros de Agatha Christie que segundo ele, o manteria longe do sol, da areia e da água fria por toda a semana. 
Foram dormir e lá pelas tantas da madrugada o pai foi acordado com algo macio e morno passeando na sola do seu pé direito – que sempre ficava descoberto - quando se deparou com uma lagartixa, hóspede permanente daquele hotel fugindo em disparada.
No dia seguinte na hora do almoço no restaurante do hotel:
- Eu pedi peixe.
- O senhor pediu peixe.
- Exato. E isto não é peixe.
- É sim, senhor.
- Não, meu amigo. Isto é carne. – É peixe. – É carne. – É.
- Pode ser peixe-boi.
- O senhor quer trocar de prato?
- Não, não. Isto está ótimo. Bife com molho de camarão. A gente deve experimentar tudo na vida. 
Coisa fascinante é o ciclo da vida que se manifesta durante as férias. Os mosquitos nos comem, as lagartixas comem os mosquitos, e mais cedo ou tarde servirão a lagartixa no restaurante do hotel, sem sal. O ciclo se completa e a vida segue o seu curso.
No dia da volta estava tudo no carro: a prancha, as conchas, tudo. Inclusive a lagartixa.



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