sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Teto Entrevistas

Entendidos e entendidas: a diversidade e o lugar do desejo





Marcelo Perilo da UFG (Universidade de Goiás) fala da construção e “desconstrução” de conceitos em sua tese de mestrado. 


Por Roberta Nogueira ( em 1º de novembro de 2010.)




Noticiarama: “Entre árvores e paredes”, o local do desejo influencia o desejo e na viabilização do mesmo?

Marcelo Perilo: Na verdade ideia era refletir sobre como é possível realizar possibilidades de acesso ao desejo e configuração de espaços eróticos em distintos ambientes. Então, quando falo de “árvores” ou “paredes”, eu estou remetendo à ideia da minha pesquisa de trabalho de campo num bosque (árvores) e numa “boite” (paredes).

Nos dois ambientes os adolescentes que eu pesquiso conseguem ter sociabilidades, só que essas sociabilidades não são totalmente livres, existem controles.

No parque o controle que é exercido e limita o usufruto de prazeres, como, beijos, mãos dadas, considerando que são “gays” e lésbicas, é a homofobia, porque tem como agentes os transeuntes, usuários do parque, que às vezes agem de maneira violenta e agridem fisicamente ou os próprios policiais, que cerceiam o usufruto do prazer desses adolescentes no parque.

Agora, na “boite” existe uma segurança que permite que eles dancem, beijem, deem as mãos; só que o ambiente cerceia de outra forma, porque lá, nesse ambiente comercial, que é uma matinê, eles não têm acesso à bebida alcoolica, à “dark room”, que seria um espaço, digamos, garantido para manifestações eróticas, como ações e práticas sexuais.

Noticiarama: Adolescendo homossexualmente_ visibilidade e possibilidades.

M.Perilo: A proposta é pensar que sujeitos na adolescência têm usufruto de sua sexualidade e também já mantêm relações sexuais. Agora, a grande questão é como essa demanda de prazer e lazer nesses sujeitos pode ajudar a gente a refletir sobre idade de consentimento, o que é ou não possível em se tratando de maior idade legal e demandas éticas para pesquisa.

Então, não é só a adolescência que traz essa série de potenciais de reflexão, mas a demanda de desejo, a questão relacionada a gênero, à sexualidade somadas à questão étnico- racial; porque o acesso ao usufruto de prazeres e lazeres está limitado ou potencializado mediante cada um desses marcadores sociais. Se o sujeito é rico, homem, morador de lugares privilegiados na cidade, que são áreas nobres, existe uma oportunidade de usufruto de ambientes, digamos, muito grande. Agora, se o sujeito é pobre, mora na periferia e não tem grande poder de consumo, talvez o acesso a lugares e ambientes seja limitado.

Para pensar na cidadania, inclusive nos Direitos Humanos, é necessário pensar em “qual é o sujeito.” Os sujeitos todos são marcados por gênero, por raça, sexualidade, classe; então não dá pensar no sujeito universal. Isso interfere diretamente no âmbito político da nossa reflexão na sociedade.

Noticiarama: Meninos, meninas e a “saída do armário” nos dias de hoje.

M.Perilo: É muito destacado em vários estudos que a visibilidade sobre a sexualidade no âmbito nacional, pensando Brasil, tem sido muito maior a partir da segunda metade do século XX, com destaque para a década de 90. Isso tem a ver com a ampliação do mercado, ou seja, a criação de bares, “boites”, saunas, cinemas, destinados a esse público de “gays”, lésbicas, travestis, transexuais; tem a ver com a criação de revistas, “blogs”; tem a ver com a emergência de políticas públicas e a atenção do Estado para essa população e também com a atuação do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transex).

Então, uma série de circunstâncias contribuiu para que no Brasil, agora na década de 2010, nós tivéssemos uma amplitude, uma atenção e um cuidado ainda maior com o tema. E isso certamente permite que a geração atual de adolescentes tenha usufruto de bens e serviços muito maior que aqueles e aquelas que viveram a sua adolescência na época 60 e 70 no Brasil, durante a ditadura. Sendo que nessa época havia uma repressão enorme inclusive do governo ditatorial.

Fazendo uma rápida comparação entre essas duas décadas do século XX e a primeira e segunda décadas do século XXI, existe uma oportunidade enorme de usufruto de prazeres e lazeres nessas últimas. Muito diferente do que antes poderia existir.

Agora, novamente remetendo à minha resposta anterior, caso a pessoa seja pobre, seja limitada no usufruto da cidade, more na periferia e não consiga ter acesso a outros lugares, talvez ela não tenha usufruto dessa grande visibilidade da homossexualidade.

Mas tal situação muda em certas ocasiões, por exemplo, quando ocorrem as paradas do Orgulho LGBT, que são manifestações políticas e de visibilidade. A cidade se transforma porque naquele dia, naquela situação bem oportuna, os que saem dos seus ambientes usam da avenida, do espaço central da cidade para falar do respeito e do orgulho de ser quem são. E pessoas heterossexuais se somam a essa luta por uma maior abertura para a vivência da sexualidade; talvez “despertadas” por Michel Foucault, que defendia a ideia de que o dispositivo da sexualidade, como um conjunto de regulações sociais sobre o sujeito e sua sexualidade, atua em todos e todas. Então, mesmo heterossexuais que por ventura teriam mais liberdade de gozo em certos ambientes, também sofrem regulações. Por exemplo, existe uma vigilância enorme no caso de pessoas de idades muito diferentes se relacionando (um homem de trinta com uma garota de quinze anos). Todos e todas estão submetidos a regulações e vigilâncias sobre a sexualidade.

Agora, é necessário destacar que “gays”, lésbicas e especialmente travestis podem ter prejuízo no seu usufruto cotidiano do prazer e do lazer nas cidades, porque a repressão sobre esses sujeitos é muito grande. Mas enfim, essas são questões importantes para a gente pensar; lembrando sempre de que q sexualidade é uma demanda que dever ser refletida como política.



Fonte: Noticiarama.blogspot.com.br

Link: http://noticiarama.blogspot.com.br/2010/11/entrevista-especial.html

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Meu eu perdido






Autoria: Solange dos Santos Brochado 

Quando era criança e demorava para adormecer escolhia meu mundo. Possuía vários. E cada noite entrava em algum. Era interessante esse modo de escape da realidade que muitas vezes tentava fugir. E como minha realidade não fugia de meus pensamentos ia buscando os mundos. Eram todos muito diferentes. Em um eu era uma medieval e morava em um lugar lindo cheio de flores, objetos antigos. Usava roupas estranhas. Vestes de rendas, coisas do passado que eu usava. Vivia ao redor de pessoas antiquadas, mas agradáveis e me sentia em um paraíso. Era filha de outro pai. Era pertencente a uma outra família que não era a minha. Já fui criança, adolescente, jovem, velha. Já morei em lugares estranhos, mas me faziam adormecer quando ia para eles. E eram tantas pessoas diferentes! Era tanta coisa. E às vezes não era ninguém. Mas me sentia tão feliz! Mesmo sem ser nada. E trocava de mundos. E trocava de família e trocava de amigos. E trocava de mim mesma... E continuava a trocar. Amava quem não me queria. E quem me queria eu não me interessava. E meus infinitos mundos se repetiam muitas vezes. Visitava os prediletos com frequência maior. E ia conhecendo gentes que nunca havia tido contato. Mas eram meus parentes desde criança. E me faziam contente. Ainda visito esses mundos e me confundo. Parece até imaginação. E não entendo e nunca vou entender como me adaptava tão bem a todos esses mundos e ainda me adapto. É como se eu tivesse outras vidas além dessa. É como não ter sentido ser o que sou e estar por aqui.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

A capacidade para o bom humor





Gosto de inventar histórias. Também gosto de observar, e do meu jeito transcrever o que estamos fazendo da vida.
 
Logo cedo percebi que questionar as coisas dá trabalho. Tudo começa a se resumir: nascer e mais tarde trabalhar para arcar com dívidas financeiras e emocionais, lutar para se enquadrar mesmo que em modelos absurdos que nos são impostos.
 
Às vezes até produzimos algo positivo como a família.Começam as contradições da nossa cultura: cadê tempo e disposição? Era tão bom quando os filmes duravam no máximo duas horas!
 
Com a vida apressada e compactada passamos a ver em cada livro um livrão! Se ele tiver mais que 200 páginas então, eu não chego nem perto: um tijolaço! Desagradável até para segurar...Também não gosto de me estender demais nos restaurantes, em festas ou fora da minha casa ou fora da minha rotina.
 
Na prática, me tornei menos paciente. Não lido com situações que se arrastam, com falta de objetividade, com rodeios, com gente que leva dez minutos para dizer o que pode ser dito em dois, ou que perde horas ao telefone sem chegar ao ponto, novelas, etc.
E então, parar para pensar? – Nem pensar!
 
Com as contradições chegam angústias: cozinhar? Nunca foi tão chique. Mas comer é proibido por que engorda ou aumenta o colesterol. Sexo? Bom demais. Mas estamos tão exaustos! Nessa correria passou a ser um luxo parar para pensar, para refletir e deletar algumas coisas.
  
Deveríamos estar usufruindo do café com o pãozinho, sem pressa, com calma, dando um tempo para que as coisas se desenvolvam.
 
Mas...e se for ilusão? – vamos perder tempo, o ônibus vai passar, o bar vai fechar, a festa vai acabar, o dinheiro vai evaporar, o marido vai se mandar, e os filhos... melhor nem falar!
 
Entra em cena a bolsinha filial da farmacinha doméstica contendo a pílula para dormir e a outra para acordar, a pílula contra depressão que nos tira a libido e a outra para compensar o prejuízo quando nos rouba a naturalidade e ainda tem aquela que ninguém sabe para que serve, mas que todo mundo toma!
 
Medicados, padronizados, desesperados, medíocres ou heróicos, amorosos ou perversos, nos achando o máximo ou o lixo, seguimos com a mala grande da culpa.
 
Por vezes dou a impressão de ter sido abduzida por esse mundo que não enaltece o prazer da entrega à reflexão. Paro para refletir e vejo que somos apenar humanos, e que nisso tudo existe alguma grandeza, mesmo subindo pelo lado errado da escada rolante.
 
E para provar que não sou um caso totalmente perdido, algumas coisas ainda aprecio que sejam longas: a capacidade para o bom humor e uma boa transa, claro!
 
 
Dorothy Coutinho




segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Que eu...


...saiba o caminho dos ventos e dance com eles, baile sua dança e seja a beleza e sinuosidade de sua canção.
Que eu conheça o Norte, honre o Leste, reverencie o Sul e Oeste. E saiba (sinta!) a Magia de cada direção.





Que eu SINTA beleza da vida em cada estação.
Que eu reconheça os efeitos dos ciclos_ saiba vivê-los, sintonize-os em mim, sintonize neles. E viva-os! Porque viver é uma dádiva!
Que eu encante e desencante e encante para de novo desencantar na Eterna Magia do Porvir.
Que
Eu
Seja!


Roberta Nogueira




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domingo, 23 de dezembro de 2012

Agora que Ana já foi dormir...






...posso contar seus segredos. Ela ronca! Como o farfalhar da cana na foice, ela ronca! Para lá, para cá... E se encolhe noite adentro feito criança por nascer.
Ela sonha. Tem lindos sonhos, eu sei! Dá para ver os lábios em uma espécie de sorriso meigo, sem graça, acanhado, mas ainda assim, um sorriso! Ela vira do lado, parece que para ninguém ver.
As tranças desfeitas ficam sobre o travesseiro contando histórias_ de amores frustrados (Ana acaba de sair de uma difícil relação, como as outras duas que já teve); desejos frustrados (queria ser médica...ginecologista! ou trabalhar na tevê!); tristezas (perdemos a mãe há dois meses); decepções (descobriu também há dois meses que é estéril, nunca terá um bebê). E certa esperança... (Há decerto um tal sorriso meigo, sem graça e acanhado.) E nessas horas Ana se cobre_ das orelhas à pontinha dos pés_ para aquecer seus sonhos.
Bem cedo Ana desperta. (Foi tudo tão rápido!) "Desperta!" A plantação.
Hora de acordar.


Roberta Nogueira



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sábado, 22 de dezembro de 2012

Tranças atadas umas as outras,  

                                                               no lenço o pescoço, cabeça o chapéu, a quente (suas mãos nunca esfriam!) boia-fria o dia vai começar.
Embornal no ombro, cigarro de palha na mão("Ana, apaga isso! cê vai fumar no caminhão?"), embornal no ombro e mais a marmita ela segue para a lida.
A plantação, suor por todo o lado, enxada, cana-de-açúcar, suor, sangue, a foice, o suor, o colher, a colheita...
"Aceita um café?"
... a enxada, o corpo, o suor, a foice, o sangue. Hora de voltar para o caminhão.
Tranças na ponta dos dedos se desfazem. Na cama ao lado, recém-chegada da faxina na cidade, sua irmã parece dormir. "Ela tem mais sorte", dizem seus dedos (em segredo) correndo fios.
_ Ana, apaga essa luz!




                                         Roberta Nogueira



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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Beni Alcântara em "O Fim do Mundo!"





Já amanheceu no Japão e o mundo não acabou! Eu estava doida que acabasse para ver onde iam se acomodar Sete bilhões de almas penadas.Sete bilhões direto para a eternidade num único dia! O Administrador ia enlouquecer. Menino gritando, adulto berrando, velhos resmungando, todo mundo procurando um canto para se acomodar. São Pedro desesperado para organizar a fila e separar os destinados ao céu e ao inferno. O cão preocupado em atiçar as caldeiras para que não se transformassem em simples lareiras! Com tanta gente chegando de uma vez só até o inferno ia virar um inferno! Era o jeito despachar almas para os anéis de Saturno, luas de Júpiter, para Marte, Vênus e confins do Universo. Tudo na vida tem que ser administrado, até o fim do mundo!
O mundo não pode se acabar de uma vez. Tem que ser aos poucos, como a humanidade vem fazendo. Matando o próprio irmão, destruindo as florestas, contaminando as águas, exterminando espécies, sem pensar que este lindo e único planeta azul é a sua casa. Aí quando a casa estiver destruída a espécie humana não vai sobreviver. Logo a espécie humana a única com inteligência. Nós somos a inteligência cósmica. Somos? Como, se acreditamos no fim do mundo num único dia e esquecemos do dia a dia destruindo o mundo?
O que nós somos e para onde vamos é que eu gostaria de saber! E eu que pensei que a televisão fosse transmitir toda a catástrofe, começando pelo Japão! Preparei pipoca, queijos e vinhos e nada aconteceu. Estou tão decepcionada!






Nas palavras da própria autora: "Nasci em Sobral. Casada, três filhos, duas netas e um outro quase chegando. Escritora para alguns, escrevente para outros. Alegre, comunicativa e cheia de vida."
Beni Alcântara


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O Teto em Conto


MIL ANOS SEGURANDO AS CALÇAS



                                                                              Por Dorothy Coutinho


Qual foi a maior invenção?
- O sorvete, a corrente elétrica, o antibiótico, a escada rolante, o estilingue, o cortador de unhas, o controle remoto, a tele entrega de pizza ou o cinto e o suspensório? 
Penso que as grandes invenções não são aquelas que saem do nada, mas as que trazem maneiras novas de usar o que já havia. O vento já existia, faltava inventar a vela, o bolor do queijo, faltava transformá-lo em penicilina. Já existia a escada, bastava colocá-la em movimento. 
Dependendo do ponto de vista de cada um e dos critérios utilizados, o fato mais importante do mundo moderno, por exemplo, é a globalização. Então, devemos honrar o homem que começou tudo: Gengis Khan.
Foi ele que convocou as tribos das estepes e avançou contra o Ocidente, unindo a Europa no susto. 
Para muitas pessoas a invenção mais importante dos últimos 1000 anos foi a da prensa – ou o tipo de móvel criado por Gutemberg.
Nada influenciou tão radicalmente tanta coisa inclusive a religião quanto da utilização da prensa e do impresso em série. A popularização e a circulação da Bíblia e de panfletos doutrinários foram os responsáveis pela expansão do protestantismo como o conhecemos. 
Mas há os que dizem que os chineses tiveram a idéia de blocos móveis antes de Gutemberg, e antes do ano 1000, e que se formos julgar pelo impacto que tiveram sobre a paisagem e sobre os hábitos humanos – o automóvel foi muito mais importante do que a tipografia. 
Quais seriam os efeitos da ausência do livro e do automóvel no mundo?
- Sem o livro e outros impressos seríamos todos ignorantes - uma condição de algum tempo para detectar.
- Sem o automóvel não existiriam as estradas asfaltadas, os estacionamentos, a OPEP e provavelmente nem os Estados Unidos!
Conclusão: nós e o mundo seríamos totalmente outros com o Gutemberg e sem o automóvel. Mas seríamos os mesmos, só mais burros, com o automóvel e sem o Gutemberg. 
Com tanta discussão me valendo de um sentido mais prático para os diversos tipos de raciocínio prefiro acreditar que as maiores invenções do milênio foram o cinto e o suspensório.
Caso contrário o que Gutember e o restante da humanidade teriam realizado se tivessem de segurar as calças por mil anos?
Pronto. Falei.


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Dizem que o amor



tem origens... sobrenomes, parentesco... Para alguns vem da época da antiga Grécia, assina o nome dos deuses e ora tem a Bênção ou a Maldição dos mesmos. Para outros (ainda mais antigos) tem nome e entendimento diverso, é comum sem ser profano, compartilhado sem que sofra mácula, Sagrado, Celebrado, Reverenciado nos rituais de Vida-Morte-Renascimento diários. E porque gira em espiral constante não conhece (nem reconhece) culpa, medo, rejeição ou dúvida. É fluido, certo, seguro e constante em sua existência. E em seu deixar de existir. Tempos depois veio o sentimento inerente àqueles para os quais dividir era tarefa primordial da existência. Separar o que era seu, tomar para si o que (ainda) seu não era, negociar, batalhar, conquistar territórios além. Não era o melhor momento para o Amor e seus adeptos. E eis que ele chega por encomenda no desejo de continuidade de tantas e tantas famílias em arranjos feitos e (quase) nunca desfeitos_ para felicidade ou infelicidade de muitas gerações. A sorte era lançada. Mas sentimentos atravessam tempos, percorrem longos caminhos partindo de onde precisam partir.







Hoje exibem-se sessões de amores descomplicados, carentes, doces, felizes, ardentes e remanescentes (dizem eles) do Amor e seu primeiro suspiro fora do Templo dos Deuses. Para elas e eles há terapeutas, curadores, conselheiras, assessores e uma multidão que compartilha (dentro ou fora) de um mesmo Amor, que de muitas formas renasce no movimento infinito que é a Vida. Em círculos e espirais.



Roberta Nogueira

Foto de Fabrício Nakanishi




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domingo, 16 de dezembro de 2012

Sem Fio






_ Apoio à Vida , boa noite, Maria Bernadete falando.
_ Eu quero me matar.
_ Ah, então o senhor ligou para o lugar certo!
_ E o que leva a senhora a ter tanta certeza assim?
_ Como é que é?
_ Claro, eu poderia ter discado outro número, falado com outra atendente...
_ Mas ligou exatamente para o nosso serviço de autoajuda e eu, a plantonista do dia, atendi a ligação.
_ E como é que a senhora sabe que pode me ajudar?
_ O senhor pediu a minha ajuda e...
_ EU pedi a sua juda?
_ O senhor liga para um serviço de autoajuda e diz que quer se matar, eu, como profissional da área, tenho a obrigação de...
_ Em primeiro lugar, eu não pedi sua ajuda, simplesmente afirmei o que pretendo fazer. Em segundo, que obrigação pode ter comigo se nunca me viu?
_ Ora, meu senhor!
_ Seu não,que eu não sou de ninguém! Além do mais, tenho nome, João Maurício, a seu dispor.
_ Sr. João Maurício, sem nada mais a dizer, boa noite.
_ Mas como... "boa noite?"
_ Não seria nada educado se eu lhe desejasse uma "má", "terrível" ou "péssima" noite, não é mesmo?
_ E o motivo que me levou a fazer este telefonema?
_ Teve motivo?
_ É óbvio, minha senhora, caso contrário, nossa conversa teria sido perda de tempo.
_ E ainda acha que pode ter sido "ganho de tempo?"
_ De tempo, palavras, experiência...
_ Experiência em "como lidar com chatos de plantão."
_ Olha que quem está de plantão é a senhora!
_ Bem, nossa conversa termina por aqui.
_ A senhora disse "bem?"
_ Disse.
_ Ninguém nunca... me chamou assim.
_ Meu senhor, eu...
_ Quem sabe... é possível mesmo que eu esteja me tornando "seu senhor" e muito mais.
_ O senhor é louco!
_ Só se for pela senhora.
_ Mas nem me conhece.
_ O suficiente para convidá-la para jantar.
_ Mesmo?
_ Pode estar certa disso.
_ Loucura é coisa contagiosa?
_ Por quê?
_ Acho que eu enloqueci o suficiente para aceitar seu convite.
_ Tem medo de perder o seu emprego?
_ Emprego? Ah, ainda tem o motivo pelo qual ligou... Eu tenho que lhe contar uma coisa, João Maurício!
_ Diga, contato que não parta meu coração, Maria Bernadete!
_ Eu não sou atendente e isso não é um serviço de autoajuda vinte e quatro horas!
_ Fique tranquila, para falar a verdade, a única coisa que eu queria matar era o tempo, agora podemos fazer isso juntos.
_ Verdade? Ai, que alívio!
_ Às nove?
_ Em frente à Câmara Municipal. Estarei vestida de cinza.
_ E eu com uma flor amarela nas mãos para a plantonista mais gentil que já conheci.
_ Então, até lá, meu senhor!
_ Até lá, minha querida senhora!


Roberta Nogueira




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sábado, 15 de dezembro de 2012

João







saiu de casa em uma tarde fria. Bem depois das cinco, pouco antes das seis. Pensou em ocupar corpo e mente procurando trabalho, logo pela manhã, mas a febre do pequeno, o caçula dos nove seus... Fechar os olhos não podia_ o céu estava tão claro!
João descobriu-se. (O agasalho mal agasalhava.) E cobriu o filho, a febre, (“Fome, pai!”), o medo, a dor.
Janela aberta, o cinza cruzando o azul.
“Pai, é bala de AR-15!”
Fecha a cortina, a janela, abre a porta...
“João!”
“Pai!”
Esposa e caçula na janela. (Os outros a essa hora, na escola ou no sinal.)
João saiu de casa em uma fria tarde. Fim. De tarde. Fazia frio. 


Roberta Nogueira 



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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Dica do Teto


Little Miss Sunshine





E na viagem rumo ao concurso de pequenas misses emoções afloram!

E nela, o adolescente (Paulo Dano) aficionado a Nietzsche e sob voto de silêncio; o tio suicida e homossexual (Steve Carrel); o avô viciado em heroína (Alan Arkin); a mãe e dona-de-casa insatisfeita (Toni Collette), que, de maneira muito evidente, tenta se realizar na filha; o pai (Greg Kinnear), autor de um programa fracassado de auto-ajuda que, na verdade, tenta (o tempo todo e com fracasso) se auto-ajudar. E a pequena Olive (Abigail Breslin).

O roteiro de Michael Arndt (Pequena Miss Sunshine, EUA, 2006) com direção de Jonathan Dayton e Valerie Farris é simples, direto, sem delongas. E talvez por isso, atinja certa objetividade lírica presente nas conversas carregadas de sarcasmo e crua sinceridade. E no silêncio.

A fotografia acompanha o texto, é limpa, cotidiana, retrata o comum de uma família um tanto incomum com seus sonhos, planos, supostas certezas (tantas dúvidas!), medos (é comovente a cena em que Olive chora para o avô seus temores!), desejos, frustrações e a vontade de ir além. Então pegam a Kombi amarela e a estrada para a Califórnia! 




E descobrimos que não é somente a menina que busca um título, que deseja com toda a alma ser premiada. Pai, mãe, avô, irmão e tio se inscrevem no concurso_ antes mesmo de Olive. E seu prêmio (antes que soubessem) já havia sido entregue: era a própria estrada! Do ponto de partida ao ponto de chegada. 


Roberta Nogueira




Filme: 

Little Miss Sunshine (EUA, 2006, 101 min)

Gênero: Comédia Dramática

Diretor: Jonathan Dayton, Valerie Faris

Produção: Albert Berger, David T. Friendly, Peter Saraf, Marc Turtletaub, Ron Yerxa

Roteiro: Michael Arndt

Fotografia: Tim Suhrstedt


Fonte: Noticiarama.blogspot.com

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quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Sem caminhos...





Escadaria da Igreja Do Bom Jesus do Matosinhos_Congonhas, MG. Patrimônio Histórico da Humanidade.



... passos, sem palavras... sem história. Um brasileiro esperando talvez que alguém o escreva nas lentes de uma câmera fotográfica. (Moedas em troca no chapéu!) Sorriso no foco, silêncio no disparo do obturador. Aos pés dos Profetas.


Fim de tarde nos arredores da Basílica do Bom Jesus do Matosinhos, os últimos turistas cansados (“A verdadeira crise seria economizar!”)despedem-se das compras do dia seguinte. Ele tenta o chapéu sem sucesso, o grupo já se foi. Ele sorri quando me aproximo.

Há uma cadência de movimentos nas disformes formas. E há ternura! Quem sabe aquela que move a alma brasileira na dança do dia-a-dia, na marcha exata e precisa, na busca insistente pelos “sins” que custam a vir. (Quando vem.)

Mas há espera... A Cidade dos Profetas não quer dormir (é tão cedo!) e nem ele. A pose é certa no preto-e-branco a ser revelado. Com ela o sorriso se esvai em uma mágica que é só dele, não pode ser tomada. Sorriso que, curiosamente, volta quando recolho o equipamento à segurança do estojo preto.

O sino da igreja toca acordando o meu transe. Também acordo. Sorrio, agradeço e parto, levando-o a tiracolo.


Foto e texto: Roberta Nogueira



Fonte: Noticiarama.blospot.com.br

 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O Teto em Conto


AQUELA BOLSA!



                                                                                                 Por Dorothy Coutinho


Costumo caminhar nas manhãs ensolaradas contra o vento gelado de outono no calçadão da cidade.

Numa dessas manhãs mudei de rumo e fui andar na calçada da rua onde estão localizadas as butiques de marcas famosas. O cartaz “40% de desconto” – no interior da loja me chamou a atenção e, naquele esquema “só estou dando uma olhada” fui curiosamente entrando.

Lá dentro, próximo a um dos balcões, uma mulher se apossa efusivamente de uma bolsa como se tivesse encontrado o Santo Graal, tamanho o seu afã. Não é linda?? – Disse ela à filha. Agarrada à bolsa frente ao espelho, ela virava de um lado, de outro, de meio, de frente, extasiada com a própria imagem carregando aquela bolsa caríssima, de couro azul-celeste com umas 256 tachas pretas e 50 franjas. Eu já vi bolsa feia nesta vida de Jesus Cristo, mas como aquela, nem nos meus piores pesadelos.

Mas a criatura ficou apaixonada pelo raio da bolsa e mostrava a etiqueta com o preço para a filha e dizia – “e nem é tão cara!”. Preço na etiqueta: 430 reais.

Nem é tão cara??? A loja deveria estender um tapete vermelho e chamar banda de música para quem levasse aquele troço por três reais.

E a mulher voltava ao espelho, experimentava a bolsa, levo ou não levo? 

E eu lá no cantinho vendo as “promoções”, tive vontade de cutucar o ombro dela e dizer pelamordedeus não faça essa loucura, olhe em volta, tem bolsa muito mais bonita, com mais classe, mais usável e de preço mais baixo. Deixe essa coisa medonha prá lá. Ficou na minha vontade, é claro. Não me meti e sai rapidinho da loja antes de ver a tragédia consumada. 

Mau gosto, bom gosto. No politicamente correto cada um tem o seu e fim de papo. Mas acho que não é bem assim. Existe um diferencial, o que não impede que pessoas de bom gosto errem e pessoas de mau gosto acertem – de vez em quando!

Tem quem defenda o pressuposto de que o bom gosto se aprende, já que uma pessoa só começa a gostar do que é bom quando adquire bagagem cultural ou quando tem a humildade para observar pessoas e lugares sofisticados extraindo daí a informação necessária para compor o seu próprio bom gosto. Bom gosto e mau gosto custam a mesma coisa, aliás, o mau gosto às vezes custa até mais caro. 

As interpretações variam. Eu não troco uma charmosa bolsa de palha por uma de grande grife. Não duvido que menos é mais. Sempre caprichei ao me vestir sem me deixar monitorar por grifes, ao manter minhas unhas limpas, na mania dos abajures em vez de luz direta, nas minhas atitudes profissionais e até na bagunça doméstica, que uma baguncinha também tem seu charme. Aprendi a valorizar o estilo “não sou rica, sou chique” e o saldo foi positivo com uma pequena porcentagem de deslizes todos aceitáveis. É só treinar o olhar para as coisas mais simples. E desviar de outras. Como aquela bolsa!!!!!!! Aquela bolsa!